Minha saudação a todos! Sinto-me honrado pelo
convite para prestar meu depoimento nessa CONVERSA PÚBLICA,
comemorativa a Semana dos Direitos Humanos.
Que minhas primeiras palavras sejam uma homenagem a todos os mortos pela ditadura, a
todos que sofreram torturas nas masmorras ou “sucursais do inferno”
dessa infeliz página da história de nosso país, saúdo em nome de todos
desaparecidos políticos João Massena de Melo, citado pelo livro
“Memórias de uma Guerra Suja”, como um dos incinerados nos fornos da
Usina de cana de açúcar em Campos. Sem menor sombra de dúvidas métodos
nazistas. Presto também indistintamente solidariedade a todos que
sofreram violações nos seus direitos.
Exatamente daqui a uma
semana, no dia 13 de dezembro completa 45 anos do Ato Institucional nº
5. Nesse dia a ditadura implantada em 1964 tirou a máscara, cometendo
as maiores barbaridades. Nessa época eu era militante sindical,
responsável por um jornal chamado
“7 de Fevereiro”, dia Nacional
dos Trabalhadores Gráficos logo após a publicação deste ato, o jornal
saiu de circulação por ordem do DOPS e foi queimado no pátio do
sindicato.
Para os que não me conhecem, nasci em Itapemirim no
sul do Espírito Santo. Tudo começou quando ouvi duas pessoas simples
conversando, um dizia que a Usina sustentava 2 mil famílias a outra
dizia que era justamente o contrário, eram as duas mil que sustentavam a
usina! A partir daí, nunca mais deixei de tomar posição que não fosse
ao lado dos menos favorecidos.
Estudei na Escola Técnica de
Vitória - Jucutuquara, onde tive alguns atritos com a direção, fui
suspenso por quatro dias, só voltando com a presença de meu pai. A
direção contou para meu pai que eu tinha sérias tendência comunista...
vejam só que ironia, que premunição! Nesta escola aprendi a profissão
de linotipista, onde fui para o Rio de Janeiro com a intenção de
trabalhar estudar. Ao chegar ao Rio fui para o Sindicato, na época o
sindicato representava para mim uma trincheira de luta da categoria, na
companhia de velhos militantes de posição bem definida, participei de
diversas comissões de salário. Fui um dos entusiastas pela criação de um
jornal que pudesse arregimentar os companheiros que com o golpe
militar de 64 tiveram que se afastar. Fizemos o jornal acima citado, uma
homenagem a uma greve em São Paulo, em 1923, comandada pela UTG (União
dos Trabalhadores Gráficos A UTG tinha como fundador e Secretário
Geral João da Costa Pimenta um dos Fundadores do Partido Comunista em 25
de março de 1922. Esse jornal sugeria o 2º CONGRESSO DOS GRÁFICOS DA
GUANABARA, todo o número discutíamos com a categoria os itens
sugeridos. A partir da publicação do AI 5 quem quisesse continua na
luta teria que ser diferente, as perseguições eram mais rigorosas.
Em 1972, completei 29 anos, na Ilha das Flores, com o corpo dolorido por
espancamento, choques elétricos nas partes intimas. Tudo isso após ser
seqüestrado pelo DOI-CODI, da Barão de Mesquita .
No mesmo
momento que era seqüestrado de forma covarde sem direito a nada, a não
ser à vontade de homens armados de metralhadoras aos gritos e palavrões.
Minha residência era invadida por outro grupo, revistando, dando
empurrões com os canos das metralhadoras, num total vandalismo.
Apesar de nada encontrar em minha casa, S A C O S e mais S A C O S
eram expostos na calçada e eles diziam que eram armas e munições!...
Uma forma de impressionar a vizinhança.
Uns quarenta minutos mais ou menos após o seqüestro, cheguei na Barão de Mesquita na Tijuca onde funcionava o DOI-CODI.
Se lá não era o inferno, com certeza era sua sucursal, ou melhor, uma
das sucursais espalhadas por todo país. Mandaram-me tirar a roupa.
Despido fui amarrado com fio elétrico nos dedos dos pés e das mãos,
faziam as perguntas de praxe.
Indagando sobre a organização e
o codinome. Respondia sempre: - Meu nome é Fraga Junior, sou do
Sindicato dos Trabalhadores Gráficos.
Aos gritos e palavrões
ao meu redor parecia que eram uns 6 a 8 torturadores. Com o capuz na
cabeça não vi quando uma pernada me jogou no chão. A mão do monstro me
agarrou na parte genital, amarrando um fio. “A manivela funcionou.
Gritei sufocado por um capuz preto. Parecia que todos os nervos do corpo
estavam eletrificados. Cheiro de cabelo queimado, aqueles que rodeiam o
órgão genital amarrado. Após algum tempo, que parecia uma eternidade,
os fios foram retirados. Socos e joelhadas partiram de todos os lados,
com as mesmas perguntas e palavrões. Caído, fui arrastado pelas pernas
até um quadrado que eles denominavam geladeira. Na geladeira uma friagem
descomunal. Quando acordei, ouvi uma voz vinda de um aparelho instalado
no teto, em seguida uma gargalhada sádica, e as mesmas perguntas, era
como se fosse uma gravação repetindo a mesma coisa”.
Codinome e
organização. Como a resposta era a mesma. Fraga Jr. do Sindicato dos
Trabalhadores, não completei a frase, um apito de uma fábrica parecia
estourar os tímpanos naquele ambiente fechado e escuro. Não era possível
calcular o tempo, era uma coisa infernal. Toda madrugada era retirado,
sempre nu com o capuz preto, era espancado com socos nos rins, peito, e
só paravam quando eu caia desmaiado.
Após uns 40 dias
sentia dores no peito, fui examinado pela mesma pessoa que me examinou
anteriormente após ter deixado a geladeira, era o médico Amilcar Lobo.
Fui levado encapuzado para o 1º Distrito Naval e no outro dia para a
Ilha das Flores. Fiquei incomunicável por alguns dias, nesse lado do
presídio estavam presas diversas jovens por fazer resistência a
ditadura. Mesmo proibida de qualquer manifestação presas em suas celas
elas não deixavam de prestar sua solidariedade. Com palavras de
incentivo, assim como: LEVANTEA CABEÇA, VOCÊ NÃO ESTÁ SÓ!
Quando fui levado para o coletivo, fui colocado numa cela junto com João Massena de Melo e outros.
Após ter um habeas corpus negado pelo Tribunal Militar fui colocado em
liberdade condicional, as últimas palavras de João Massena, foi que
tomasse muito cuidado porque eles estavam soltando alguns presos para
serem eliminados. Eu poderia ser um deles! Mandou dar um abraço no amigo
dele um gráfico que trabalhava na Revista “O Cruzeiro”, preso com ele
em Fernando de Noronha. Waldemar Daim.
Em liberdade condicional,
sem poder deixar o estado, teria que ir toda semana assinar um livro
de presença no Primeiro Distrito Naval, se fosse ao sindicato perderia a
liberdade condicional. Vinte quatro horas mais tarde estava no
Sindicato, fui para o Departamento Jurídico reivindicar meus direitos, a
Editora que trabalhava tinha me dado abandono de trabalho mesmo sabendo
de minha prisão! Difícil foi arrumar um trabalho, que o patrão
aceitasse em me dispensar para assinar a tal presença na Marinha. Além
de manter nosso controle era também uma forma de dizer para o patrão,
marcar nossa ficha. Trabalhando numa editora no bairro do Rocha, numa
noite ao sair do trabalho um carro suspeito, com um carona com meio
corpo para fora do carro andando bem devagar me jogou a metade de um
paralelepípedo, por uma questão de milímetro não tinha minha cabeça
atingida, logo no outro dia os patrões recebiam um telefonema,
perguntando porque estava me dando emprego, fui dispensado na hora!
Passei ser revistado por diversas vezes, a última, numa maneira bem
debochada um me disse: “você nasceu com a bunda para a lua”! Pregavam
realmente o terror! Estava com visão dupla, ao sentar diante da
linotipo, tomava choque, somente com a trepidação da máquina ligada.
Após julgado e absolvido em 1975, numa deixei um dia sequer de militar
pela volta das liberdades democráticas, fiz parte do Comitê de Anistia,
fui receber diversos exilados no Galeão recordo-me da vinda de Luiz
Carlos Prestes, na Casa dos Estudantes, CEU, fomos saudar Apolônio de
Carvalho. etc...
Após a publicação da Anistia o meu pedido foi
feito em conformidade com a lei, foi assinado no escritório do advogado
Dr. Humberto Jansen Machado, com sua secretária segurando na minha mão,
com a visão dupla tinha dificuldade até de assinar meu nome. O INSS fez
questão de dar suas contribuições sumindo por duas vezes com o processo.
O ranço ideológico de alguns funcionários era comprovado.
A
Comissão da Anistia numa infeliz interpretação ratifica a burla do INNS,
numa atitude de afogadilho sem analisar corretamente a questão. A norma
da anistia não pode ser dessa maneira com dois pesos e duas medidas!
A COMISSÃO DE ANISTIA comete um terrível equivoco, ao anistiar,
ex-preso político que tinha vinculo empregatício, ao invés de cumprir o
dispositivo constitucional da lei que diz que nós receberíamos com se
trabalhando estivesse. Assim não é procedido, paga-nos em ávos
proporcional aos anos trabalhados. Isso atendendo uma interpretação
irônica do INNS. Um soldado anistiado não ganha como meio soldado, pelo
contrário, ganha todas as vantagens conforme diz a mesma lei de
anistia. Eu faço questão de deixar essa crítica registrada. Uma voz do
Chile de Michelle Bachelet diz: “que uma ferida, quando está
contaminada não cicatriza”. Desculpe-me a Clínica dos Testemunhos, que
faz uma papel excelente dentro de suas atribuições,
Desculpe-me os organizadores dessa CONVERSA PÚBLICA, nesse caso da anistia referida, eles estão SURDOS E MUDOS.
Para a Comissão da Verdade... a verdade é uma só, e tem que ser verdadeira, mais uma vez desculpe-me o trocadilho!
No caso de punição aos crimes de lesa-humanidade, será preciso a
mobilização dos “tambores das transformações”, sem dúvida é a
juventude, e sem essa juventude sem esses tambores nada será feito!
Fora dos Direitos Humanos sem dúvida é barbárie!
Obrigado!
Luiz Carlos Santos -- Muitos brasileiros, muitos capixabas, muitos itapemirinenses não tem noção do preço pago pela "LIBERDADE", por companheiros como você Valdir Fraga Junior e outros tantos. Hoje vivemos num estado democrático de direito, mas quem viveu o período da ditadura militar nesse país, sabe muito bem a diferença. Por isso posso até entender quando algumas pessoas mais jovens apoiam iniciativas que claramente identificamos como atitudes que podem nos levar de volta a esses tempos, onde pessoas desapareciam, eram mortas, sequestradas e seus familiares não tinham nenhuma noticia, posso até entender como disse, porém não posso concordar, seria muito bom que essas pessoas pudessem dispensar alguns minutos para ler esse seu depoimento companheiro Valdir Fraga Junior. Tenho certeza que depois da leitura iriam pensar melhor. O preço pago pela liberdade foi muito caro e você pagou uma parte, tenho muito orgulho de ter você como amigo e companheiro. Parabéns.
ResponderExcluirDaniel Moreira -- Concordo com o Luiz Carlos, não vivi na época da ditadura, mas sei o horror que passou aqueles que combateram. A juventude de hoje não tem noção de nada, eles apoiam medidas de direita, mas aí quando vier a quartelada vão fingir que nem é com eles ou vão "mudar de ideia" quando trolha partir pra cima dele também.
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